O espírito conservador do início do século XX não dissuadiu Maria Falce de Macedo de se matricular, em 1914, na primeira turma da Faculdade de Medicina do Paraná. O protagonismo da jovem, que se tornou alguns anos mais tarde a primeira médica do estado, inspirou gerações inteiras a se reconhecerem e a se projetarem como cidadãs a serem respeitadas nas diferenças e na luta pela conquista da igualdade de gênero.
Filha de imigrantes italianos, Maria Falce nasceu em Curitiba, no dia 15 de janeiro de 1897. Conforme relata Rafael Greca de Macedo no livro “Curitiba Luz dos Pinhais”, a família de Maria era proprietária da Empresa Funerária Falce. A empresa localizada na Rua Saldanha Marinho, no Centro da capital, foi “a primeira a providenciar pompas fúnebres à altura de uma capital europeia” e funcionou durante quatro décadas.
Enfrentando o atribulado percurso das mulheres no ingresso no ensino superior e o julgamento da sociedade da época, Maria Falce conquistou o título de doutoramento em Medicina, em 1919. Segundo Greca, foi “aprovada com summa laude, mereceu a nota 9,9, pois a nota 10 era exclusivamente reservada aos professores, como lhe explicaram os membros da banca examinadora.
Na sequência da graduação, especializou-se em bacteriologia e zoologia médica no Instituto Oswaldo Cruz e aprofundou os estudos em bacteriologia durante um estágio na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte. No retorno a Curitiba, assumiu o Laboratório de Análises Clínicas da Santa Casa. Ao lado do marido, José Pereira de Macedo, fundou o primeiro laboratório de análises clínicas do estado, em 1922. O negócio funcionou por três décadas e nos anos 1950 foi assumido pelos colegas de profissão Fani Frischmann e Oscar Aisengart.
Primeira mulher a assumir uma cátedra universitária
Em 1929, a pioneira paranaense assumiu a cátedra universitária da disciplina de Química Médica do curso de Medicina após um concurso de títulos e provas, tornando-se também a primeira mulher a ocupar a posição no país. Entre os legados da professora Maria Falce está a implantação da disciplina de Química Fisiológica, que passou a se chamar Bioquímica.
Em artigo publicado na Revista do Médico Residente, o neurologista Ehrenfried Othmar Wittig, mentor do Museu da História da Medicina da Associação Médica do Paraná, conta que Maria Falce produziu inúmeros trabalhos ao longo dos 41 anos de cátedra, somando-se a outras pioneiras que ingressaram em profissões consideradas historicamente masculinas. Destacam-se nesse percurso nomes como Rita Lobato, a primeira mulher do país a se formar na Faculdade de Medicina da Bahia no ano de 1887, Walkiria Moreira da Silva Naked, a única mulher entre os 127 primeiros inscritos na OAB Paraná, em 1932, e Enedina Alves Marques, primeira engenheira do Paraná.
Maria Falce também auxiliou na fundação da Casa da Estudante Universitária visando dar suporte às jovens que vinham do interior para estudar na capital. Mais recentemente, a paranaense inspirou a criação do Coletivo Maria Falce de Macedo, fundado em 2015 por estudantes de medicina na Universidade Federal do Paraná (UFPR). O coletivo reúne jovens de diferentes períodos e vivências, com o objetivo “de aproximar as mulheres do curso, dar voz a inúmeras reclamações que têm sido silenciadas, e para que juntas possam crescer”, segundo o grupo.
Na década de 1950, Maria Falce encerrou as atividades acadêmicas, mas manteve-se em atividade na UFPR até 1968. A primeira médica paranaense passou os últimos anos de sua vida com a família, no bairro Ahú, num imóvel onde hoje está localizada a sede da OAB Paraná. Faleceu em 24 de abril de 1972, deixando um legado inestimável para gerações futuras.