Painéis do simpósio de Direito Médico abordam vacinação e temas da bioética

Vacina e questões de bioética foram os temas abordados nos painéis matinais do II Simpósio Internacional de Direito Médico e da Saúde, aberto na manhã deste sábado (11/9) pela Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB Paraná.

No primeiro painel, sob mediação da advogada Fernanda Righetto Fernandes dos Santos, membro da Comissão de Direito à Saúde da seccional, o advogado Silvio Guidi tratou de estratégias de imunização e sobre a relação entre vacinação e Estado. Mestre em Direito pela PUC-SP, Guidi é autor do livro “Serviços Públicos de Saúde” e co-autor de “Comentários à Lei Orgânica de Saúde”, ambos lançados pela Editora Quartier Latin.

Guidi fez uma correlação entre determinado tipo de liberdade que vem sendo bradado por alguns grupos no Brasil. “A liberdade é tida de uma maneira muito equivocada no nosso país. E as pessoas não levam em consideração que a tão ou mais importante do que a liberdade é a solidariedade. Isso está previsto na nossa Constituição. A nossa república é solidária”.

Em relação à vacinação, essa suposta liberdade acabaria por prejudicar quem tem menos acesso. “É um pensamento que tende a deixar as coisas como estão. Tende a deixar que quem tem mais condições, sejam financeiras ou de saúde, fique mais protegido. E quem não tem condições segue desprotegido”. O advogado lembrou o impacto coletivo que a vacina tem. “A imunização não é uma espécie de cura que é dada pessoa a pessoa, e não se limita à relação entre Estado e pessoa. A vacinação é uma técnica de saúde coletiva. Só tem efeito quando tem não um resultado individual, mas em um resultado coletivo. E não só para as que se vacinaram, mas as que não puderam se vacinar. No caso da covid-19, como as que não têm mais de 12 anos, que não podem se vacinar por questões de saúde ou até os miseráveis, que estão em um nível de exclusão que não sabem quando ou onde se vacinar”, explanou o advogado.

Guidi lembrou que técnicas de saúde coletiva são não só mais eficientes, mas também uma referência objetiva da Constituição, que diz aos poderes que eles têm o dever de cuidar da saúde da população e de garantir o exercício do direito à saúde. Vai priorizar as ações preventivas e protetivas.

Por sua vez, Liane Lage, mestre e doutora em Engenharia Química, e servidora do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), abordou os aspectos do desenvolvimento de vacinas e de sua proteção patentária.

A pesquisadora explicou que as patentes são uma maneira de viabilizar o investimento das empresas em pesquisa. Ela citou o diretor do Instituto Internacional de Vacinas da Coreia do Sul que afirmou: “Não temos fabricantes de vacinas sem fins lucrativos realmente bem-sucedidos”. A partir desse ponto de vista, apenas os com fins lucrativos conseguiriam produzir uma vacina de alta qualidade. Os laboratórios públicos conseguem desenvolver ciência, mas dificilmente têm condições fazer uma produção que atenda a uma demanda mundial.

Liane também ressaltou o avanço científico sem precedentes que foi necessário em função da pandemia.  “Em geral, levamos 10 anos para desenvolver uma vacina. Nós, humanidade e empresas conseguimos fazer tudo isso em um prazo muito pequeno. Por isso anda estamos acompanhando muito de perto todas as situações. A patente é pedida bem no início, quando tem uma pesquisa básica e um indicativo de possibilidade de desenvolvimento tecnológico. Isso dá a segurança para a empresa, para que ela invista e tenha a perspectiva de retorno do seu investimento no final”, disse a engenheira.

Ética

O segundo painel do simpósio teve a mediação da advogada Mariana Forbeck Cunha, também membro da Comissão de Direito à Saúde da OAB Paraná. Tomaram parte das discussões Luciana Dadalto, doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); o médico Roberto Yosida, presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR); e o advogado Adriano Marteleto Godinho, mestre e doutor em Direito Civil e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Os três trataram de questões bioéticas.

Luciana abordou também aspectos jurídicos dos cuidados paliativos, que, segundo ela, são negados diariamente no Brasil. Isso ocorre devido à falta de compreensão do que são esses cuidados. Ela explicou que, segundo a OMS, cuidados paliativos são a abordagem que melhora a qualidade vida dos pacientes, sejam adultos ou crianças, e de suas famílias. “O centro do cuidado é sempre o paciente, mas incorporam a família na perspectiva em que ajudam a lidar com a gravidade”, resumiu. No mundo, 56,8 milhões precisam de tratamento paliativo e 25,7 milhões no fim da vida e 76% em países em desenvolvimento.

Luciana apontou que é preciso levar em conta que a dor do paciente não é só física, é multidimensional. Os cuidados paliativos são uma abordagem holística, que cuida do paciente sob diversos pontos de vista. O primeiro erro é que se desconhece quais são os cuidados paliativos e toma-se como base um estigma de que seria um remendo ou gambiarra. “Isso causa a negação de cuidados paliativos e se dá devido a um apego que a nossa cultura judaico-cristã tem na vida biológica”, afirmou a doutora em direito. “Não conseguimos encarar que somos seres finitos. A gente lida com a saúde como se fôssemos seres infinitos e o correto fosse sempre não desistir. “Usamos metáforas de guerras todos os dias. Quando alguém morre, dizemos que ‘lutou contra a doença”. Não estamos em guerra. A morte não é um inimigo a ser combatido. Quando encaramos a morte como inimigo, estamos negando direitos a pessoas que estão gravemente doentes, com situações irreversíveis e em situações de terminalidade”, disse.

“Precisamos compreender que cuidado paliativo é dignidade. Só é possível garantir uma morte digna quando o paciente pode escolher como chegar ao fim. As escolhas passam pela eutanásia e pelo suicídio assistido, que não são permitidos no Brasil. Mas é impossível e absurdo pensar em discutir eutanásia e suicídio assistido se não damos o acesso aos cuidados paliativos. Eles são o começo de uma conversa sobre uma morte digna e não o fim”, concluiu.

O presidente do CRM discorreu sobre a responsabilidade do médico diante de uma diretiva antecipada de vontade do paciente. Ele iniciou sua exposição lembrando dos mais de 90 médicos falecidos em função da covid-19. E, ao abordar o tema em pauta, falou do desafio de equilibrar teoria e prática. “Temos que unir os grandes princípios da ética e da bioética com a prática. Os valores individuais de cada pessoa têm que ser levados em consideração, inclusive os do médico”, explicou. O médico também falou sobre a importância da proteção de minorias, que às vezes não têm o conhecimento suficiente para decidir com qualidade.

“Cada pessoa tem seu histórico, seus valores e sua religiosidade, seu modo de encarar a vida e a morte. E precisamos considerar tudo isso”, destacou o presidente do CRM. Yosida falou sobre a importância de que, em situações limites, os profissionais da medicina tomem decisões em conjunto e consultem uma junta ética. Ele também destacou a importância da comunicação nos momentos extremos entre os profissionais envolvidos, pacientes e familiares. Ele ressaltou que, para os médicos, prevalece o in dubio pro vita, “se houver uma situação muito limite, temos que optar pela vida”, afirmou o presidente do CRM-PR.

Em sua apresentação, Godinho provocou reflexões sobre a dignidade da morte e sobre a impossibilidade de mantê-la para muitos dos que faleceram em decorrência da covid-19.

“Temos 585 mil vítimas fatais e apenas 33% da população brasileira totalmente imunizada. Não é apenas a tragédia em si, mas o modo como ela se fez cerca entre nós. A pandemia arrefeceu, mas não cedeu em definitivo”, disse o advogado ao sintetizar o cenário.

Sobre a eutanásia, Godinho lembrou que não é provocar a morte por si só, mas envolve  alguns elementos, como o fato de a morte ser provocada a pedido do paciente, para evitar o prolongamento da dor física e do sofrimento psíquico. Ele também explicou sobre a ortotanásia: “Não se vai antecipar  processo de morte, abreviar a existência, encurtar a vida, mas antes permitir que a pessoa faleça no ‘tempo’. Seria, quando a morte chegar, deixar que ocorra, para evitar a mecanização, o encarniçamento humano, respeitando a vida biográfica, não somente a biológica”.

Ao se referir à pandemia, Godinho afirmou que não é possível falar em morte digna do modo como a morte tem sido experimentada mundo afora, em especial no Brasil. Ele apresentou o conceito de mistanásia, que é a morte miserável dos desvalidos, dos desamparados, que não têm acesso aos serviços médicos mais elementares”.

“Neste contexto caótico em que nós estamos, podemos dizer que é miserável e indigna a morte de todas as pessoas que faleceram à margem de cuidados sanitários que deveriam estar disponíveis a qualquer ser humano”, definiu o advogado sobre a pandemia. “Inúmeras pessoas faleceram sem tratamento, sem oxigênio e muitas pessoas faleceram sem acesso às vacinas. O processo de aquisição e distribuição foi lacunoso, deficiente. Esse sentido de morte indigna que fez incontáveis vítimas no Brasil. A morte desassistida, desamparada, miserável, infeliz, solitária dessas pessoas, que não foram cuidadas como deveriam. Morrer morrermos, mas não desse modo”, lamentou. Godinho acrescentou ainda que vem estudando como a responsabilidade civil dos gestores públicos se aplica a esses casos por negligência, descuido e descaso.

Livros

Um momento cultural foi exibido aos participantes entre os dois painéis matinais. Antes do intervalo para almoço, foram lançados os livros de Luciana Dadalto, sobre cuidados paliativos, e o do advogado Olavo Fettback Neto, sobre a responsabilidade das clínicas e dos profissionais de reprodução humana assistida. O painel de lançamentos das obras teve a mediação de Gabriel Schuman, integrante da Comissão de Direito à Saúde da OAB Paraná.