Ao conduzir a sessão solene de abertura da 7ª Conferência da Advocacia Paranaense na noite da última quarta-feira, 11 de agosto, o presidente da OAB Paraná, Cássio Telles, enalteceu a força da advocacia e ressaltou a necessidade de defesa do Estado democrático de direito. “A advocacia continua com seu papel fundamental de esteio e proteção do Estado de Direito, das garantias fundamentais, de porta-voz da cidadania, de defensora da democracia e da legalidade, de trincheira contra a arbitrariedade, a desigualdade e a injustiça social”, destacou.
“É a democracia que queremos. A democracia efetiva, calcada no sufrágio universal livre e secreto, na inclusão social, na tolerância e respeito às ideias, na preservação de todas as liberdades individuais, na concretização da dignidade e da justiça social. Esse é o compromisso da advocacia de que falava o presidente Raimundo Faoro, aqui em Curitiba, em 1978: Onde quer que haja um advogado, onde quer que esteja um bacharel, aí deve estar a consciência jurídica do povo brasileiro, na defesa do Estado de Direito”, frisou Telles
Confira a seguir a íntegra do discurso:
SENHORAS E SENHORES, ADVOGADAS E ADVOGADOS
A Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Paraná, chega a sua VII Conferência Estadual, precursora da comemoração dos seus 90 anos de existência, que ocorrerá em fevereiro do próximo ano. 90 anos de atuação em favor da advocacia plena e independente e dos valores consagrados no artigo 44, da lei 8.906/94, de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.
Curiosamente, esta conferência é a sétima na ordem das conferências estaduais, mesma ordem da célebre Conferência Nacional realizada em 1978, em nossa Capital. Curiosamente a Conferência Nacional de 1978 é relembrada com a conferência da redemocratização e da restauração do habeas corpus. O tema daquela conferência nacional foi: O Estado de Direito. E sobre o Estado de Direito, nosso sempre presidente Eduardo Virmond assim discursou na abertura daquela conferência: “Não é o Estado de Direito somente a expressão da vontade de alguém ou de alguns, por simples espírito de condescendência. O Estado de Direito é uma exigência da história em progressão, é antes de tudo liberdade de cada um e a certeza e a confiança da possibilidade de pensar e realizar.”
A advocacia continua com seu papel fundamental de esteio e proteção do Estado de Direito, das garantias fundamentais, de porta-voz da cidadania, de defensora da democracia e da legalidade, de trincheira contra a arbitrariedade, a desigualdade e a injustiça social. Como já dizia nosso primeiro presidente, Levy Carneiro, “para desempenhar nossa missão política, temos de intervir mais assiduamente na vida política, não na vida da politicalha, não na luta dos cargos e das posições políticas, mas com a isenção que o nosso alheamento delas, nos deve dar, para inspirar as soluções jurídicas, para defender os princípios legais e a organização constitucional, para promover ou orientar o aperfeiçoamento da legislação para difundir e cultivar na massa dos cidadãos o sentimento jurídico.”
A OABPR segue essa orientação: independência e apartidarismo nas lutas pela concretização as garantias fundamentais e na preservação da democracia. Os desafios atuais nos impõem essa conduta, defensores da legalidade, da ordem jurídica e do estado democrático de direito, advogado ou advogada alguma poderá silenciar diante de ameaças ou insinuações de rupturas democráticas, de relativização das liberdades. Nosso patrono, Rui Barbosa já dizia: “Os governantes arbitrários não se acomodam com a autonomia da toga, nem com a independência dos juristas, porque esses governos vivem rasteiramente da mediocridade, da adulação e da mentira, da injustiça, da crueldade e da desonra. A palavra os aborrece, porque a palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade, deixai-a livre, onde quer que seja, o despotismo está morto.”
Por isso, em momento da democracia brasileira, em que as liberdades produzem no cidadão a efetiva percepção de que o bem-estar social está intrinsicamente relacionado a fruição completa dessa garantia fundamental, é claro que desfile de tanques e blindados em frente às sedes dos poderes constituídos, soa como absolutamente incompatível, inconveniente e impertinente, e obriga a sociedade civil organizada a dizer com voz firme e forte, que nem mesmo insinuações de longe sobre o regime da força e do autoritarismo podem ser toleradas.
É a democracia que queremos. A democracia efetiva, calcada no sufrágio universal livre e secreto, na inclusão social, na tolerância e respeito às ideias, na preservação de todas as liberdades individuais, na concretização da dignidade e da justiça social. Esse é o compromisso da advocacia de que falava o presidente Raimundo Faoro, aqui em Curitiba, em 1978: “Onde quer que haja um advogado, onde quer que esteja um bacharel, aí deve estar a consciência jurídica do povo brasileiro, na defesa do Estado de Direito.”
A atual Constituição é o diploma mais longevo de um período democrático. Uma Constituição chamada cidadã, que em seu núcleo, preocupou-se de forma cristalina em combater o arbítrio e proteger o cidadão. Na Assembleia Nacional Constituinte eram 209 deputados constituintes advogados. O presidente da Assembleia, Ulysses Guimarães e o relator geral, Bernardo Cabral, eram advogados. Todos levaram ao seio de nossa Lei Maior dispositivos cuidadosamente estruturados para manter viva, incólume e forte a democracia, os direitos humanos e as garantias fundamentais. Nas cláusulas pétreas estão consagradas as liberdades: a liberdade de ir e vir, com a presunção de inocência, a liberdade de expressão, de imprensa e opinião, a liberdade de manifestação e reunião, a liberdade intelectual e de pesquisa, a liberdade de religião, de orientação sexual, a liberdade de iniciativa, a liberdade econômica e a liberdade artística.
Com todas elas temos o mais firme compromisso de intransigente defesa. Nossa Constituição restaurou o ambiente democrático e a escolha direta de nossos governantes, calcada também no princípio da igualdade. Saúdo aqui, e enalteço, a conquista da paridade de gênero e das quotas raciais no sistema OAB, que vieram a dar concretude a esse importante discurso de igualdade, inclusão e não discriminação, e, mais uma vez, reitero que esses avanços serão rigorosamente observados em nossa seccional. O direito de livremente escolher nossos governantes, pelo sufrágio universal, base do convívio democrático, também é um compromisso basilar da advocacia brasileira na sua luta pela legalidade e pelas liberdades, é, pois, um compromisso prioritário da advocacia.
Não aceitaremos qualquer manobra que venha a retirar do povo brasileiro o direito de escolher, pelo voto, seus governantes, por meio de um sistema eleitoral que é modelo para o mundo, pela sua eficiência e rapidez, que impede o voto de cabresto, que assegura o sigilo do sufrágio e que foi provado e comprovado em diversas eleições. A política é indispensável para o País, é por ela que as soluções dos grandes desafios da nação devem ser construídas. Mas a classe política não pode se esquecer que sua missão é pública, voltada para a população e não para sua sustentação, para a perpetuação de mandatos, ou para a ostentação de privilégios.
O povo brasileiro não precisa de um fundo eleitoral de mais de 5 bilhões de reais, para escolher livremente seus governantes, não precisa de triplicação de seu valor, em período de pandemia, em que pessoas morreram e morrem nas filas de hospitais, em que a vacinação é a primeira medida de sobrevivência, em que a população passa fome, em que o desemprego continua a crescer, em que as micro, pequenas e médias empresas fecham suas portas, devido à crise econômica. No ambiente democrático, também à classe dos advogados compete proteger e exigir o máximo respeito ao direito de petição, ao pleno e célere acesso à Justiça, ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa.
Os advogados continuam sendo os porta-vozes da sociedade e em tempos de flagelo social, mais do que nunca devem ser ouvidos e respeitados, porque não falam por si, mas pelo cidadão injustiçado, esquecido, violado em sua dignidade, mas do qual jamais poderá ser retirada a esperança de postular perante os poderes constituídos a efetivação dos objetivos fundamentais da República: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. É neste desiderato que todos devemos trabalhar.
O acesso à justiça assegura, muitas vezes, a última esperança de dignidade, de reparo à injustiça, de barreira ao arbítrio, por isso ele deve ser pleno, não pode ter obstáculos financeiros, tecnológicos ou excessivamente formais. A democracia no Judiciário deve ser medida pela amplitude e facilidade ao seu acesso, bem como pela fundamentação das decisões e a possibilidade de acesso ao sistema recursal, base fundamental para a revisão, aprimoramento ou confirmação das decisões judiciais, como legitimadoras da boa prestação jurisdicional. A era do Judiciário virtualizado e à distância chegou irrefreavelmente, no entanto a Justiça continua e sempre será um serviço público, que deverá ser acessível para todas as camadas da população, especialmente àquelas mais humildes, que não têm acesso à internet, que não possuem equipamentos de boa qualidade e que não dominam as plataformas de audiências e sessões virtuais.
A advocacia tem visto diariamente essas deficiências, tanto que os escritórios, em razão do fechamento das unidades judiciárias, durante a pandemia, se transformaram em salas de audiências. Aqui abro um parêntesis para enaltecer a bravura da advocacia, que não deixou de atender pessoalmente seus clientes, correndo riscos de vida, diariamente, mas ciente de que é por ela que o acesso ao Poder Judiciário começa; não deixou de continuar combatendo as injustiças e levando as pretensões populares ao Judiciário. Também as sedes da OAB, na capital e no interior, abriram suas portas para aqueles que não possuem local adequado para fazer suas audiências e, frequentemente, recebemos advogados e partes para a realização desses atos.
Reconhecemos as facilidades que o Judiciário telepresencial nos trouxe: audiências e sessões podem ser feitas sem o deslocamento pessoal da advocacia, a advocacia do interior do estado passou a poder sustentar oralmente nos Tribunais, sem os custos de deslocamento, com economia de tempo, audiências em outras comarcas também puderam ser feitas sem as demoradas viagens, alvarás eletrônicos permitiram o saque de valores sem a presença pessoal nas agências bancárias, o mundo digital trouxe economia nos gastos dos Tribunais, mas, também, é preciso que se diga, que, apesar dos esforços das cúpulas diretivas dos Tribunais, passamos a encontrar maiores dificuldade para contato com os servidores e magistrados. Enfrentamos obstáculos, que ainda persistem, na concretização das ordens judiciais, pois o cumprimento de mandados pelos oficiais de justiça acumulou e está extremamente atrasado.
Enfim, podemos dizer que o Poder Judiciário não parou, que, apesar das dificuldades, todos nós conseguimos em boa medida prestar ao povo esse serviço essencial, que é a jurisdição, mas que temos que analisar com muito cuidado as barreiras que a virtualização total pode trazer ao acesso à justiça e, nesse sentido, a palavra de ordem é atendimento. Justiça é serviço público que precisa estar aberto ao fácil acesso pelos seus usuários. A pergunta que nos assola diariamente é o que está por vir, a advocacia vive um momento de frenética transformação: o Judiciário virtual exige novas habilidades e preocupações com boa infraestrutura tecnológica.
Os escritórios com endereços físicos, tendem a encolher ou até desaparecer, já vivemos a era dos escritórios virtuais. A cultura jurídica aponta um caminho preocupante de modelos, de copia e cola, de abandono dos livros, que deve ser visto com muita reserva, porquanto os problemas sociais continuam tendo paixões, sentimentos, são humanos. O desempenho da retórica, da argumentação e do convencimento pelo estudo e pela interpretação das leis, com criatividade e sensibilidade, não pode ser substituído pela inteligência artificial, pela reprodução automática de decisões, que não olham para as peculiaridades dos conflitos que os cidadãos nos trazem para solução.
O juiz sem rosto, aquele que não está na comarca, que não está nos fóruns, que atua em várias competências territoriais, que pode ser substituído a qualquer momento, com abandono total ao princípio da identidade física, de cujo pensamento não se tem certeza alguma, exatamente porque ora é um ora é outro, representa um perigoso afastamento do Judiciário da população. E aqui também cabe a advertência de que a inteligência artificial, para as decisões judiciais, somente pode ser entendida como auxiliar na compilação de pesquisas, e na aceleração de rotinas processuais, nada mais. Não queremos ser julgados por máquinas. Indispensável também é entender e aceitar que o sistema de comunicações, vital para a concretização do Judiciário virtual, também falha, que por vezes a internet cai e que isso não poderá sacrificar jamais a prática de atos essenciais para a ampla defesa e o devido processo legal.
Outra preocupação que a era digital e telepresencial nos traz é com nossa saúde mental. O digital é um mundo 24 horas, as facilidades de comunicação nos colocam on line o tempo todo. Trabalhamos à noite, nos finais de semana, a todo o momento visualizamos mensagens, são milhares de informações que precisamos processar, numa dinamicidade nunca vista antes. Nestes primeiros momentos de intenso uso tecnológico ainda não nos demos conta, por certo, da amplitude dessa exposição 24 horas ao trabalho, mas, certamente, a modulação dessas “facilidades”, frente ao tempo de lazer e de convívio familiar é também um fundamental debate que necessita de imediato enfrentamento. Tema que também não poderá deixar de ser considerado durante nossa conferência é a remuneração da advocacia, os honorários advocatícios dignos.
Interpretações que pretendem reduzir o alcance da aplicação do artigo 85, do CPC, para diminuir os honorários de sucumbência, merecem total repulsa, porquanto não há dúvidas em uma regra jurídica tão clara quanto é o artigo 85. Dignidade da advocacia também significa dignidade no valor dos honorários advocatícios. Quero, por fim, me referir à formação dos advogados, ao ensino jurídico: a pandemia impôs a solução do ensino à distância.
Com isso, cresceu a ideia de que o ensino pode ser telepresencial e precisamente agora, estamos vendo uma profusão de instituições de ensino superior, buscando aprovação de EADs, com ofertas de vagas, que atingem a casa dos milhares. A formação de um advogado deve ser humanística. Reprodução de fórmulas, de ensino automatizado, de aulas gravadas, jamais substituirão aquilo que é indispensável no estudo da ciência social do Direito: o debate, o desenvolvimento do raciocínio lógico, o conhecimento epistemológico, o estudo das técnicas argumentativas, dos métodos de interpretação da lei, frente aos casos concretos, da prática jurídica, essencial para quem vai advogar, está sendo relegado a um plano inferior muito preocupante.
A carreira da docência está diminuindo. Os novos cursos querem ser baratos, concorrem entre si, pelo preço e com isso economizam na docência, o que por si já é um péssimo sinal de queda na qualidade do ensino. O controle e acompanhamento das atividades acadêmicas à distância não se dá com eficácia e por vezes é delegado a robôs. A pesquisa na graduação, com desenvolvimento de projetos e orientação, está sendo substituída por fórmulas que mais visam preencher um requisito, do que propriamente ensinar o pensamento jurídico humanista. Neste cenário, o exame de ordem torna-se ainda mais indispensável: advogar é um múnus público, advogar é exercer a mais importante representação de alguém, ao postular a proteção de direitos fundamentais, que podem mudar rumos na vida dos cidadãos.
Isso é sério, isso exige preparo, exige ética, estudo constante, entendimento perfeito dos valores sociais e correta aplicação da lei, para atingir seus fins de pacificação, organização e promoção do bem-estar e da Justiça social. Esta conferência tem essa finalidade: debater as transformações que estamos vivendo na advocacia e na sociedade. Trata-se de um momento histórico: quem o está vivendo nunca esquecerá, porém mais do que isso, quem o está vivendo tem um compromisso, uma responsabilidade fundamental, para concretizar aquilo que nossa Constituição preconiza como os valores da República: a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.
Obrigado à comissão científica, liderada pela nossa vice-presidente Marilena Indira Winter. Obrigado à comissão executiva, liderada pelo colega Emerson Fukushima, pelo esmero e competência que organizaram esse conclave. Obrigado aos nossos colaboradores pela dedicação total à promoção de um evento de qualidade. Obrigado às comissões de trabalho da OAB-PR pela organização dos painéis pré-conferência. Obrigado à advocacia paranaense que faz desse o maior encontro de toda nossa história com mais de 11.000 inscritos. Que esta Conferência contribua para trazer respostas aos desafios da inovação e da transformação. Viva a Advocacia Paranaense.
Cássio Lisandro Telles (presidente da OABPR)
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