Um grupo de 55 voluntários e voluntárias, entre advogadas, alunas de Direito, cabeleireiras, maquiadoras, fotógrafos e fotógrafos, atores e atrizes, passou o período da manhã, das 9h às 13h, com as internas, oferecendo atividades para descontrair e, principalmente, ajudá-las a resgatar a autoestima. Daí a presença das maquiadoras voluntárias e da equipe de fotógrafos e fotógrafas da ONG Help Portrait. Depois de passarem por uma sessão de embelezamento, as cerca de 60 albergadas do CRAF fizeram sessões de fotos individuais. Elas também assistiram à peça “Aquele que diz sim e aquele que diz não”, baseada num texto de Bertolt Brecht, encenada por alunos da Escola de Teatro Pé no Palco.
Um momento importante foram as rodas de conversa com as internas – uma dinâmica desenvolvida pelo grupo “Mulheres pelas Mulheres”, que teve como ponto de partida a discussão dos “papéis” que sociedade impõe a homens e mulheres. Foi a ocasião em que as internas contaram seus dramas, manifestaram suas angústias e seus desejos de retomar a vida de onde ela parou.
“Só quero agradecer pelo dia de hoje. A gente até esquece que está presa, conversando com tanta gente, de igual pra igual”, disse B.O.A. “Foi um dia muito bom, animou a gente. Estamos mostrando a beleza que cada uma tem por dentro”, comentou J. P. Entre as internas, uma delas, C. M.O., se despediu mais cedo, porque sairia para prestar a segunda fase do vestibular da UFPR. Sonha em voltar para a universidade, retomar o curso de Ciências Contábeis que teve que interromper há cinco anos. “Aqui a gente vive em constante tensão. Foi um dia diferente, me ajudou a descontrair”, disse ela antes de seguir para a prova.
A ação foi organizada pelas Comissões da Mulher Advogada e dos Advogados Iniciantes da OAB Paraná, com a colaboração das comissões da Advocacia Criminal, dos Estabelecimentos Prisionais e de Defesa dos Direitos Humanos. A idealizadora do projeto é a advogada Maria Ticiana de Araújo, que apresentou a proposta com o objetivo de contribuir com ações de ressocialização. “Queremos resgatar nestas mulheres que hoje integram o sistema carcerário o sentimento de inclusão social, trazendo a ideia de que o cumprimento da pena não pode colocá-las à margem da sociedade, quer na perspectiva de cuidados com a saúde, capacitação profissional, convívio com os familiares, quer em relação ao resgate da sua própria estima”, explica Maria Ticiana no texto da proposta.
De mulher para mulher – Mais do que para as próprias internas, o dia foi especial para voluntários. “Ganhei o meu domingo”, resumiu Maria Ticiana ao agradecer às internas e à equipe administrativa do CRAF. A presidente da Comissão da Mulher Advogada, Daniela Ballão Ernlund, destacou a emoção que toma conta dos voluntários ao serem recebidos pelas albergadas. “Esse é um projeto para desenvolver o espírito de cidadania. É de mulher para mulher, de coração. Para nós, que passamos por tantos obstáculos e vencemos as dificuldades”, afirmou Daniela.
“O que vivemos aqui prova que, ocasionalmente, as pessoas estão livres ou estão presas, dependendo da arbitrariedade do sistema. Não existe quebra de igualdade”, comentou Priscilla Placha Sá, presidente da Comissão de Advocacia Criminal e coordenadora do projeto “Mulheres para Mulheres”. “Foi um momento de mais alegria para a gente, por saber que fizemos a diferença para elas”, completou Sabrina Becue, presidente da Comissão de Advogados Iniciantes.
Lúcia Beloni, presidente da Comissão de Estabelecimentos Prisionais, enfatizou que o principal recado a ser dado é a consciência de que não devem descumprir as regras do regime semiaberto, para que não voltem atrás. “Todas têm a chance de começar uma nova história, devendo lutar para nunca mais passar pelo sistema prisional”, disse. Para Débora Normanton Sombrio, considerando a violência institucional de gênero existente no sistema carcerário, o resgate da autoestima é imprescindível e será sempre um dos propósitos da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos.
O projeto “Somos todas Cidadãs” foi acolhido pela diretoria do Centro. “A questão da igualdade, que fica subentendida neste projeto, terá reflexos bastante significativos para elas”, avalia a diretora do CRAF Irecilse Drongek.
Reflexão – Outros profissionais que participaram também gostaram da experiência. “Há uma troca enriquecedora, tanto para as internas como para os atores. Para os alunos de teatro, é uma forma de compreender a função da arte como propulsora da reflexão”, disse Alexandre Zampier, professor e diretor de teatro da Escola Pé no Palco.
“Nós acreditamos no poder da fotografia para a valorização da autoimagem, por isso também abraçamos esse projeto, sabendo que pode trazer uma mudança efetiva na vida dessas mulheres. Cada vez que olharem essa foto e lembrarem desse momento, vão se observar como figuras de valor”, destacou Michele Bravos, uma das fotógrafas do Help Portrait.
Trabalhos voluntários como esse também contribuem para vencer preconceitos. “Muitos disseram que eu não deveria vir, mas achei a proposta muito interessante e, ao final, gratificante”, afirmou a maquiadora Joseane Helena Souza. Junto com mais três colegas de profissão, Joseane teve muito trabalho naquela manhã, tanto que para dar conta de atender todas as internas não dispensou a ajuda das advogadas que quiseram se integrar à sua equipe.
Dentro de duas semanas, os fotógrafos da Help Portrait retornarão ao Centro de Regime Semiaberto Feminino para entregar às internas o resultado das sessões fotográficas. Cada uma receberá o seu retrato impresso.